A tradução do
filme em cartaz no Rio de Janeiro de “Wild” para “Livre” bem expressa a
preferência do tradutor-intérprete, afinado com uma dada tendência dos cariocas da montanha, de enfatizar na jornada da protagonista a
busca de liberdade em relação a um seu atributo ‘Selvagem” a que a tradução
literal do termo ‘wild’ do inglês melhor
corresponderia.
Mas tal preferência pela “liberdade” também
justifica a leitura que nos parece melhor convir à película: trata-se de uma
‘viagem íntima’ empreendida pela protagonista à procura do reencontro consigo
mesma, obrigando-se a um sobre-esforço constante e indo além de qualquer
elaboração lógica em prol de atender a uma inspiração da afetividade. É também neste sentido que consideramos bem
ajustados tanto os flashbacks ao longo da
caminhada – que revisitam, transformando-os no novo contexto, os
eventos traumáticos que teriam levado a personagem à sua débâcle - quanto uma
interpretação de Reese mais suave (não se justificando, pois, as críticas
de que teria sido pouco ‘selvagem’ nas
cenas mais fortes)
‘Wild’, filme protagonizado por Reese Witherspoon, é baseado em fatos reais, sendo uma adaptação do best-seller "Livre – A jornada de uma
mulher em busca do recomeço" (Objetiva), de
Cheryl Strayed. Foi, aliás, a própria Reese, que, aos 38 anos e também
produtora de ‘Wild’, contatou Cheryl diretamente para comprar os direitos do
filme depois de ler o livro antes da publicação. Em termos da carreira de Reese
Witherspoon, o momento em que a protagonista arranca uma grande unha do dedo do
pé ensanguentado na cena de abertura de seu novo filme torna claro que a atriz
vencedora do Oscar tomou nova direção em relação à maioria dos seus filmes,
onde em geral dá vida a mulheres bonitas e alegres. De acordo com este
desígnio, e em termos da busca de veracidade do longa, o diretor Jean-Marc
Vallee, exigiu que os espelhos no trailer de maquiagem fossem cobertos, para
evitar que Reese não soubesse como estaria sua aparência sem a maquiagem. "Foi duro, eu nunca me vi em
um filme como esse antes", disse Reese antes da exibição Festival
Internacional de Cinema de Toronto, recentemente.
O enredo do filme entrelaça dois subgêneros importantes no cinema e na tradição
cinematográfica norte-americana: o ‘on the road’ e a jornada em busca de si mesmo. É com esta clara intenção que a
personagem Cheryl parte em busca de seu próprio amadurecimento. Na pele
da mulher alquebrada, disposta a andar da fronteira do México até o Canadá pela
Pacific Crest Trail, uma das trilhas mais difíceis dos Estados Unidos, ao longo
de seus 1.770 quilômetros, ela vai revivendo e purgando uma série de infortúnios passados. Após perder uma mãe sofrida, mas corajosa e otimista (Laura Dern), para um câncer veloz e cruel, Cheryl sucumbe
ao vício em heroína e sofre o fim do casamento por conta de sua promiscuidade
incontrolável.
Quando inicia sua ‘via crucis’, Cheryl está lamentavelmente despreparada para
ela.
Fica sem comida e água, perde as
botas e tem o corpo coberto de feridas. Mas entre sua bravura e a bondade de
estranhos, ela aguenta 94 dias, enfrentando
variações climáticas que vão do deserto às neves, até chegar à Ponte dos Deuses que é o fim de sua jornada.
Ali, pronuncia as belas palavras de autoaceitação e transformação que são o
prenúncio para uma vida mais feliz e produtiva.
“Livre” descreveria um ritual de passagem a ser
realizado através da reconexão do indivíduo urbano com ‘o grande Ar Livre” , essencial
(para quem escolhe esta via) para uma mudança mental e existencial profunda, qual a relatada na película. O
gênero ‘on the road’ remete para a natureza selvagem concreta, por nós perdida
há tão pouco tempo, algo que a nossa
mente parece ainda não ter conseguido processar em apenas três ou quatro
gerações. Podemos também associar esta natureza, em termos psicológicos, com a
nossa própria instintividade, que precisaria deste confronto direto com algo
mais visceral e potente que ela própria , para imprimir uma nova tonalidade,
mais amena consigo própria, à nossa admissão, compreensão e novas expressões das
‘formas elementares’ da nossa libido.
Portanto, ‘ponhamos o pé na estrada’ para
assistirmos ao filme. Tendo estreado há apenas um mês, ele está em cartaz
em uma única sessão, a das 14;10 hs., no Cine Laura Alvim. Como, para fazer
honra ao espírito da película, eu fui caminhando do Jardim Botânico à Praia de
Ipanema (pela Lagoa, em um trajeto que durou exatamente uma hora), aviso que a
projeção começa exatamente no horário e não há trailers antes. Como a plateia
estava cheia, quase perco o início e o lugar. Tomara que esta procura dos
espectadores mais sensíveis prolongue a estadia do filme em nosso circuito, mas
não é garantido.
Deu vontade de ver o filme!
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