Não tivemos frio este ano na Maravilhosa. Estamos deslizando de um não-inverno para um pré-verão; na semana passada os termômetros já
ultrapassaram os 40º. Metabolismos menos
afeitos à canícula já se ressentem e o horário dos exercícios ao ar livre – de
que todos os cariocas são adeptos (às vezes apenas teoricamente) – antecipa-se
nos relógios biológicos. É necessário acordar cada vez mais cedo e ganhar
os verdes espaços antes que o disco amarelo do sol ascenda raivoso, arranhando
as rochas que o impedem de nos ofuscar a vista.
O escuro, no final da noite, parece sujo, quando saímos. A névoa
rala sufocou a transparência do céu. Efetivamente, hoje não é um bom dia para
belas fotos. O momento de transição, aquele hiato em que as lâmpadas, nos
postes, colapsam e o barulho dos carros ameaça aumentar, é quase imperceptível.
A Lagoa é tão espetacularmente linda que, mesmo assim, nos permite uns flashes
desta gradação sutil de quietudes, neste limbo de volumes arredondados e sombras maciças.
Então, caminhamos ou pedalamos ou corremos. E, na
volta, nos detemos à beira da Lagoa: uma floração também rosada, ecoando a marca registrada da Aurora, saúda a nova
estação, enroscada no arame da contenção da amurada.
Adiante, a água reflete, confundindo-se com o céu, os
volteios das nuvens em torno de manchas mais claras ou mais foscas.
Espirais oscilam e telas impressionistas sucedem-se ante nossos olhos, em fluxo fugidio de parecenças e divergências, supra-sumo da provisoriedade espontânea que transcende qualquer intenção deliberadamente artística.
Pétalas extraviadas e outros resquícios da chuva forte de ontem se transformam em joias flutuantes, se assim o fantasiarmos... |
Para os cariocas da montanha, a percepção da Primavera –
assim como da Esperança – desabrocha do quase-nada, em nossos corações...
Referêmcias:
* Junito Brandão - Dicionário Mítico-Etimológico - vol.II - Petrópolis, Vozes, 1997, p. 173
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