domingo, 23 de setembro de 2012

Alvorecer da primavera


Não tivemos frio este ano na Maravilhosa. Estamos deslizando de um não-inverno para um pré-verão; na semana passada os termômetros já ultrapassaram os 40º.  Metabolismos menos afeitos à canícula já se ressentem e o horário dos exercícios ao ar livre – de que todos os cariocas são adeptos (às vezes apenas teoricamente) – antecipa-se nos relógios biológicos. É necessário acordar cada vez mais cedo e ganhar os verdes espaços antes que o disco amarelo do sol ascenda raivoso, arranhando as rochas que o impedem de nos ofuscar a vista.

O escuro, no final da noite, parece sujo, quando saímos. A névoa rala sufocou a transparência do céu. Efetivamente, hoje não é um bom dia para belas fotos. O momento de transição, aquele hiato em que as lâmpadas, nos postes, colapsam e o barulho dos carros ameaça aumentar, é quase imperceptível. 
A Lagoa é tão espetacularmente linda que, mesmo assim, nos permite uns flashes desta gradação sutil de quietudes, neste limbo de volumes arredondados e sombras maciças.



 Logo antes do amanhecer, o colar de pingentes amarelos na água é enfeite para as nossas Oréadas (ninfas da montanhas e colinas)   *

Logo após, os dedos rosados da Aurora diluem os tons cinzentos no firmamento.

Então, caminhamos ou pedalamos ou corremos. E, na volta, nos detemos à beira da Lagoa: uma floração também rosada, ecoando a marca registrada da Aurora, saúda a nova estação, enroscada no arame da contenção da amurada.


  
Adiante, a água reflete, confundindo-se com o céu, os volteios das nuvens em torno de manchas mais claras ou mais foscas.  


Espirais oscilam  e telas impressionistas sucedem-se ante nossos olhos, em fluxo fugidio de parecenças e divergências, supra-sumo da provisoriedade espontânea que transcende qualquer intenção deliberadamente artística.







Pétalas extraviadas e outros resquícios da chuva forte de ontem  se transformam em joias flutuantes, se assim o fantasiarmos...
Para os cariocas da montanha, a percepção da Primavera – assim como da Esperança – desabrocha do quase-nada, em nossos corações...  

Referêmcias:
* Junito Brandão - Dicionário Mítico-Etimológico - vol.II - Petrópolis, Vozes, 1997, p. 173

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