O Carnaval do Rio,
qual inquebrantavelmente bem-humorado Polvo Psicodélico, se arrasta em nossa
direção, emerso das poças da última chuvarada... Gáudio para os cariocas da
praia e para os turistas! Desalento para os cariocas da montanha e os viajantes!
Este polvinho remete ao pavão misterioso do Ney. Por que será? (ver http://www.youtube.com/watch?v=FWmI5VqTNwU) |
Caluda! Os blocos de rua, eufóricos em seu perambular
malandro, envesgam o livre fluir do trânsito pela cidade e acrescentam odores ácidos
de cachaça e suor (dentre outros...) ao usual bafejo tórrido do ar parado. Evitemo-los,
espíritos de escol!
As montanhas, praias, alamedas de árvores submersas na multidão ululante |
A origem, em seus longínquos primórdios, do Carnaval, teria
cunho liberador das pulsões afetivas contidas. O Carne
Vale, a festa da carne, se origina em antigas celebrações gregas e
romanas, onde, nos rituais de Dionísio, as bacantes realizavam cerimônias
secretas nas florestas. Bebiam para alterar a sua percepção da realidade –
cumprindo a função sagrada do vinho,
na Antiguidade – até o transe e o êxtase. Tendo feito, alucinatória e
impunemente, amor com o próprio Dionísio, exultavam de triunfante ‘entusiasmo’ (= “portar o
deus dentro”).
Assim, as mulheres, categoria, em
geral, depreciada na Grécia antiga, realizavam uma ‘catarse’ liberadora, de alcance, quiçá, indispensável ao
psiquismo humano, então.
Mas,
hoje, talvez o conceito mesmo de catarse deva ser revisto, na própria
psicanálise que tão bem o incorporou a seus princípios, no século passado,. No
atual contexto cultural, que ‘liberação’ ela proporciona ?
(para ilustrar musicalmente o papel convencional da mulher grega, ver http://letras.mus.br/chico-buarque/45150/)
Quando
chega ao Brasil trazido pelos portugueses, por volta de 1750, a festividade era
conhecida como “Entrudo”, palavra que vem do latim e significa “entrada”, uma
alusão ao início da quaresma no calendário religioso. O Cristianismo havia adaptado a insurreição ancestral às
conveniências da Páscoa - a Terça-Feira Gorda é definida, no calendário
cristão, 47 dias antes do domingo de Páscoa. O Carnaval passa a significar tempo de diversão e exagero, grandes comes e
bebes, antecedendo o ingresso em um período de reflexão e jejum. Então, os
fiéis se recolheriam para reavaliar sua vida cristã, tendo por ápice do
processo, em termos, inclusive, de outro tipo de catarse, a Semana Santa.
(Para uma descrição saborosa da
adaptação das festas cristãs às crenças indígenas na roça do Brasil ver: http://www.yubliss.com/blog/5991?page=3)
'Pensa no pecado e no arrependimento, ó caboclo cabra da peste!' |
A continuação da trajetória do Carnaval, sob inspiração
patropi, teria cunho liberador dos oprimidos, agora em termos sociológicos. Logo, o entrudo se transformou em uma ocasião para guerras
de água, farinha e limões de cheiro pelas ruas, realizadas por escravos e os
sempre presentes malandros de plantão. As classes mais abastadas logo se
dispuseram a participar, entornando, de suas sacadas, vasos com excrementos
sobre os foliões.
Culturalmente falando, quais
seriam as ‘urbanas classes oprimidas’ atualmente?
Estreitando nosso foco,
poder-se-ia falar de uma liberação do ‘provincianismo’ na Maravilhosa (cidade
do Rio de Janeiro, of course) quando a então Capital Federal resolve imitar as
metrópoles estrangeiras, na virada entre os séculos XIX e XX, em seu festejo do Carnaval.
Sob inspiração europeia, os primeiros blocos carnavalescos, cordões e os famosos cortejos de automóveis (corsos) surgiram no começo do século XX. As pessoas decoravam seus carros, fantasiavam-se e, em grupos, desfilavam pelas ruas das cidades, dando origem aos carros alegóricos.
Gestavam-se, então,
discretamente, nos bastidores do grande palco público, as tragédias de busca de
ascensão social através do crédito indiscriminado (os agiotas ainda não se
haviam instalado em agências bancárias).
Festividades que exigiam gastos de
representação comprobatórios da Alegria-Alegria, já inspiravam pequenas obras
primas como o conto de Ribeiro Couto (1898-1963) O Bloco das Mimosas Borboletas.
( vale a pena ler em http://www.releituras.com/ribeirocouto_bloco.asp
) (Remark: gloogle the author & story names to translate it).
Havia certa poesia e uma gentil
ingenuidade, então, nos blocos, que surgiam como opção da pobreza valorizada
culturalmente como sinônimo de espontaneidade e singeleza.
Qual o destino da exuberante catarse carnavalesca – a Carne
da Alma exposta e destemida – no século XXI?
Dionísio fashion: hermafrodita e sofisticado
|
Sob tais contornos, só a duas categorias humanas se
admitiria “gostar do Carnaval”. Por um lado, os muito inocentes que se propõem
a acreditar na alegria com data marcada – incluindo-se, aí, os muito jovens, em
fase de experimentação dos mecanismos catárticos de sua cultura. Por outro, os
muito tristes que se contentam (ao menos provisoriamente) com qualquer sobra de
riso e confete; ou, pior, que nem sabem a extensão verdadeira da tristeza que
habita, no dia-a-dia, as suas almas...
Quem fez isto com o gatinho? Inocência traída... |
Para os cariocas da montanha e viajantes saberem que trajeto
evitar, nas próximas semanas:
P.S. Todavia-porém-contudo, aproveitem as dicas, prezados cariocas
da praia e confrades turistas !
Agradecemos o ‘empréstimo’ do nosso Po(l)vinho a
Muito bom, Ana! Parabéns! E obrigado pelas dicas. Rsrsrs
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