A exposição de Adriana Varejão no MAM espreguiça suas asas
furta-cor, prestes a alçar voo. Apressai-vos, espíritos de escol! Seu deadline foi
antecipado de 17 para 10 de março, este domingo.
As moscas-varejeiras (ou Dermatobia hominis) são bem conhecidas
em nossas terras, dada a frequência com que suas larvas provocam infecções parasitárias nos tecidos ou
cavidades do corpo do hospedeiro. São
moscas de grande tamanho, geralmente possuem bela coloração verde azulado
metálico; depositam os ovos nos tecidos vivos ou mortos de vertebrados ou
substâncias orgânicas em decomposição. A larva é parasita obrigatório, mas os
adultos têm vida livre.
Mestiça, de 2012 (auto-retrato) |
Alguma
associação possível com a impressão pungente que nos perpassa na visita à produção
de Adriana Varejão?
Com curadoria
de Adriano Pedrosa, Histórias às margens
traz trabalhos fundamentais da artista produzidos desde 1991, mais da
metade deles inéditos no país, vindos de coleções como Fundación “la Caixa”
(Madri) e da Tate Modern (Londres).
Nas palavras da própria
artista, “margem remete a mar, mas também àquilo que está fora do centro”,
daí o título da mostra. Histórias às margens são, na palavra do curador,
“histórias marginais, muitas vezes esquecidas ou colocadas às margens pela
história tradicional, sejam elas histórias do Brasil, de Portugal, da
China, da arte, do Barroco, da colonização; histórias que Varejão
pesquisa, resgata e entrecruza em suas pinturas”, uma vez que para ela, a
história é algo vivo e o passado está sendo constantemente recriado.
Nas
salas, distribuem-se 42 obras, e, além das inéditas no Brasil, algumas produzidas
especialmente para a exposição. Dentre elas, a pintura acima, em
grande formato, com o panorama da Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, no
qual a artista retoma sua série Terra Incógnita, iniciada em
1992, introduzindo elementos de seu trabalho atual. Há uma grande e bela
serenidade neste quadro, constelado de elementos chineses...
Linha equinocial, 1993 |
A contundência do conjunto das obras é impressionante, em boa parte devida à temática de revisionismo histórico, uma tônica nas interpretações de seu trabalho, que seria um dos fatores – aliado a seu grande talento – de seu sucesso internacional. Pode ser identificado, realmente, um caráter agressivo na poética da artista, envolvendo, por exemplo, uma revisão crítica de imagens de um Brasil idílico, criado por artistas viajantes como Frans Post (1612-1680).
Carne à Moda de Frans Post (1996) ver detalhe da borboleta recortada da palmeira e servida no prato brasonado |
Uma das marcas registradas da artista são os
azulejos de estilo português, que ela emprega sob diversas óticas, algumas
particularmente explosivas. Preferimos aquelas em que o contraste das
diferenças é assinalado de forma mais sutil e graciosa, deixando à imaginação
do espectador a tarefa de creditar um sentido quiçá doloroso aos arcabouços
simbólicos do motivo.
Tiles and Tea II (1997) |
'O olho extraído não deixa de ver...' |
Ver Testemunhas oculares x, y e Z (1997) (detalhe ao lado; neste observe-se a elegância da incisão na tela, que reproduz a pupila onde ela não mais existiria...)
A luneta surpreende, no escrutínio do globo ocular, um mundo silencioso de testemunhos e sonhos que nega a cegueira... |
Também foi este o viés
que nos encantou em outras figuras femininas onde um quê de Antropofagia se
mescla à aceitação sorridente do machucado (auto)infligido, em nome das regras
das Culturas em questão. Ver da Chinesa (com agulhas de acupuntura no rosto) à Comida, ambas de 1992.
O percurso é organizado em ordem quase toda cronológica; no nosso caso, ignoramos este pormenor e acabamos por conhecer primeiro as obras mais recentes. Desta forte primeira impressão, quem sabe, provenha a percepção – que nos ficou no olhar – de um devaneio menos desolado enfeitiçando a mostra.
Ou seja, na Pérola Imperfeita (2009) (ao lado) há um sol e a gema do ovo.
Saindo da
Mostra, detivemo-nos a escutar um artista-professor discorrendo,
apaixonadamente, sobre o mural à entrada da exposição, no andar inferior.
Aliás, em toda a mostra, muitos professores explicavam a seus grupinhos de
alunos onde e porque Varejão estaria dizendo isto ou aquilo. Pode ser
proveitoso dar uma de penetra e ouvir-lhes as hipóteses. Este lente, no piso
térreo, aproveitava a ocasião para explicar aos discípulos porque o primeiro
quadro em que uma tela em branco fora rasgada ganhou crédito artístico mundial
e muito dinheiro. Pela primeira vez uma tela era tratada não como suporte para
a pintura, mas como um corpo em si, sujeito à manipulação artística. Varejão
também deixaria explícito que ela trata suas pinturas como corpos e não apenas
como meras telas. Para evidenciá-lo, o mestre enfatizava seu uso de buracos, rupturas,
protuberâncias, fragmentos decepados quais cacos e lascas...
Mas aproveite-se, ao invés, talvez, para, esgueirando-nos por trás das paineis expostos, surpreender os recortes de Beleza, rasgões esquivos providenciais na sólida arquitetura do MAM, como digna moldura à magnífica produção de Adriana.
Histórias às margens
narradas por Adriana Varejão
17
de Janeiro a 10 de Março de 2013
3ª a
6ª – meio-dia a 18 hs.
Sab., dom. e feriado
– meio-dia às 19 hs.
Entradas: RS 12,00 ou
R$ 6,00 (meia)
Às quartas-feiras:
entrada gratuita.
Museu de Arte Moderna
Av Infante Dom Henrique 85
Parque do Flamengo
20021-140
Rio de Janeiro RJ
T +55 (21) 2240 4944
Outros quadros da exposição em:
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