quinta-feira, 3 de abril de 2014

“Ela”

O filme permite diversas leituras sofisticadas, dentre as quais  aquela, em fronteiras psicanalíticas, segundo a qual questionaria, com sutil profundidade, a verdadeira natureza das relações afetivas.  Ora, veja-se, embora se trate de uma sociedade do futuro, altamente desenvolvida  tecnologicamente  – tanto que um OS (‘operacional system’) como o que constitui a (invisível) co-protagonista Samantha é viável – existe ainda uma profissão de ‘escrever cartas manuscritas’ afetuosas e comoventes, enviadas  pelo correio aos destinatários. 

O que já evidencia uma primeira incongruência: o que há de sincero, de legitimamente amoroso, na emoção a ser provocada apenas por bem saber manipular palavras que utilizem um quadro referencial de ternuras pré-condicionadas a partir de informações periféricas?  Na carreira do protagonista,  Theodore (Joaquin Phoenix), ele teria  sido responsável pela criação e manutenção de romances inteiros , do início ao fim, onde os clientes usaram as suas palavras como estopim e alimento para seus relacionamentos  afetivos.  

 
As amizades 'reais' - como com a colega igualmente decepcionada
 com a vida - pouco acrescentam senão fugidios momentos de descontração
  No criativo enredo do filme de  Jonze,  Theodore (Joaquin Phoenix)  vive um momento de crise após a separação de sua esposa Catherine (Rooney Mara). Para driblar a solidão, ele decide adquirir um software que promete proporcionar momentos reais de interação. O sistema operacional, que se auto-denomina Samantha (voz de Scarlett Johansson), passa a acompanhá-lo diariamente e logo eles se envolvem. Samantha parece ser aquilo de  que ele precisa, aceitando-o do jeito que ele ‘ é’ e preenchendo uma lacuna na vida do escritor que as pessoas “reais” não conseguem. Observação: trata-se de um sistema que aprende com a experiência, assim Samantha , em tese, reproduziria os próprios mecanismos psíquicos do que Theodore chama ‘amor’ na relação.
A ‘realidade virtual ‘ onde o filme se desenrola nos surge familiar, inclusive nos cenários intensamente urbanos, onde a vista que se desvenda das janelas emula as luzes de controle de redes computacionais.

Nele, as pessoas estão sempre conectadas, sejam sozinhas ou em grupos, seja em casa ou na rua, através de seus celulares, tablets e correlatos aplicativos sedutores.
Estaria a tecnologia, que aproxima os usuários e quebra barreiras, tornando as relações  cômodas demais?  Ou apenas realiza o desejo oculto, neste sentido, das pessoas que as utilizam ?  

Independente de Jonze criar como plataforma uma sociedade virtual à frente da nossa, o principal assunto do filme – responsável por seu fascínio – é um novo enfoque aos eternos temas do amor, das paixões e das amizades. Não obstante existir apenas como voz e um registro na tela do smartphone, Samantha dá a Theodore um novo fôlego, estimulando-o em sua rotina e fazendo-o acreditar no amor. É com ela - através de seu olhar, também só presente através de um visor  do smartphone - que Theodore acessa outras realidades, inclusive trafegando em espaços de natureza, que deixam em segundo plano o urbano féerico. 

  Mas até onde esse sentimento realmente procede? Há alguns momentos em que as indagações sobre a ‘realidade’ de suas próprias emoções, por parte de Samantha, raiam a reflexão filosófica. 
Com um farol qual luz solitária, singular, ao fundo, Theodore, contempla,
na companhia virtual de Samantha a amplidão do horizonte.
 Quão mais longe sua mente poderia ir, todavia?
Em um momento crucial do enredo, adiante, Samantha dirá:
" (...) the spaces between the words are almost infinite.
 (...)  it's in this endless space between the words that I'm finding myself now"
Astutamente, o diretor não destitui a ‘mente’ de Samantha de características próprias de um sistema cibernético, muito diversas daquelas de um sistema nervoso humano. Assim,  não obstante a sua ‘programação inicial’ tê-la aproximado afetivamente de Theodore (dado o seu aprendizado das 'emoções humanas' com ele) , o prosseguimento de seu aprendizado ‘cibernético’  no vastíssimo universo do virtual – que transborda as fronteiras usuais de tempo, espaço e identidades – vai provocar uma guinada inédita, inesperada, no enredo.    
O trabalho de Jonze com o elenco, uma de suas principais características, se repete aqui com primor. O cineasta consegue arrancar de seu protagonista e de sua dubladora atuações que trazem credibilidade à narrativa. Sem o discernimento correto neste sentido, outro cineasta poderia escorregar na funcionalidade da trama. Além de Rooney Mara, as atrizes Amy Adams e Olivia Wilde completam o poderoso time feminino do longa.


Em exibição hoje: 


·         Barra da Tijuca
·         Botafogo
Estação Rio - Sala 114:00 | 16:30 | 19:00 | 21:30 
·         Ipanema
Candido Mendes14:30 | 18:40 



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