O canal da Net Telecine Cult tem-nos presenteado com a
exibição de Vidas ao Vento, Kaze
Tachinu (em japonês: 風立ちぬ ) um filme de animação japonês produzido em 2013 pelo Studio Glibli, escrito e
dirigido por Hayao Miyazaki, seu último
filme antes de se aposentar.
O filme poetiza em torno da biografia de Jiro Horikoshi, o designer que criou
o famoso avião de combate japonês Mitsubishi A6M Zero, um dos mais engenhosamente
construídos e tragicamente eficazes usados na Segunda Guerra Mundial. Jiro
Horikoshi, um jovem que vive em uma cidade do interior, anseia em se tornar
piloto de avião, mas sabe que nunca conseguirá, por conta de sua miopia .
Desde os dias da infância do engenheiro, ao seu papel fundamental no esforço de guerra, o longa acompanha Horikoshi nos tempos
difíceis que antecederam o conflito, passando pelo grande terremoto que
devastou Tóquio em 1923. Sem justificá-la, o enredo (ver trailer abaixo) expõe
as razões de ordem socioeconômica que teriam ‘arrastado’ o Japão à guerra; na
película, os protagonistas sofrem com ela e o sonho de voar surge-nos, pois,
como a resposta possível a ser dada pela imaginação criadora – resistência e
contradição – a uma realidade impossível de ser contestada diretamente.
As partes da cinebiografia que retratam o inventor em sua vida privada, porém, são fabricadas. Elas adaptam parcialmente o romance The Wind Has Risen (1937), de Hori Tatsuo, que se passa em um sanatório para tuberculosos em Nagano, Japão.
O resultado, em sua bem temperada mistura de ficção e fatos
(sempre colocando a intenção e fantasias da liberdade de voar acima de seu doloroso consumar-se em prol da
guerra), é arrebatador e extremamente romântico.
O título brasileiro (e também o título original, “O vento se ergue”), justo
ao filme, lírico e belo, foi extraído de um poema de
Paul Valéry.
Criticada por
humanizar um personagem que, indiretamente, teria participado de um esforço de
guerra que causou tanta destruição, a animação tem uma mensagem clara, de
pacifismo, um tema recorrente na obra do veterano realizador japonês. Fala-se
frequentemente nele de que voar é um "sonho amaldiçoado" e são
flagrantes as condições em que o avião é construído, enfatizando a dissociação
entre arcaico e inédito no Japão da época.
Carros de boi transportam o novo modelo para o campo onde será testado. |
Como no romance de Mann, os doentes tomam o ar puro, tido por regenerador, na varanda do sanatório, envoltos em cobertas. |
Um personagem misto de Sherlock Holmes e Castorp (o filósofo da Montanha Mágica) encarna a dimensão crítica do filme e refere-se a Hitler como a um louco. |
Como é comum na
obra de Miyazaki, a arte do filme é deslumbrante. Dos fundos pintados, em que
cada detalhe remete ao amor jovem e puro em sua ingenuidade acariciante ( e
acariciada pelos acúmulos amplos de nuvens, sempre varridas pelas sombras
provocadas pelo vento) às retratações
dos aviões e ao carinho especial como são mostrados os projetos e cálculos,
tudo é belíssimo. A sonoplastia é igualmente brilhante, com os sons das
aeronaves lembrando lamentos de criaturas - um pequeno eco das fantasias épicas
do currículo do diretor - e complementa a bela trilha sonora baseada em
acordeons de Joe Hisaishi.
Ao final, Vidas ao Vento é uma celebração da criatividade e
engenhosidade humanas, uma que lamenta nossa capacidade para a destruição da maneira
mais poética possível. No anterior Mononoke,
Miyazaki explicitara a maior mensagem das suas obras "É preciso ver o
mundo com olhos destapados do ódio". Este aforisma se repete em todos os seus
filmes e é em Vidas ao Vento, que
atinge, talvez, seu apogeu.
A película ganhou e foi indicado para vários prêmios, incluindo nomeações para o Oscar de Melhor Filme de Animação , o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e Prêmio da Academia do Japão para Animação do Ano.Se realmente este for o último filme de Miyazaki, que anunciou sua aposentadoria recentemente, ao menos ele deixa o cinema com uma de suas maiores obras-primas.
Ver trailer em:
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