Durante as primeiras semanas da quarentena, a Lagoa , deserta, pertencia toda a caminhantes e raros ciclistas, soltos e leves na amplidão circundante ...
E , então, restam-nos os caminhos do meio, por sobre a grama , para , à guisa de pequenina transgressão - entretanto também expressão de prudente obediência - mantermos a distância regulamentar dos invasores dos espaços e a ilusão de um livre trotar pela Terra.
Gosto muito do "caminho do meio" , desde meus primeiros contatos com o Budismo, até os mais recentes com a teoria da auto-organização dos seres vivos pelo ruído; esta diz que a transformação criativa, nos indivíduos e na cultura, ocorre em um ponto preciso entre o redundante, estático, estabelecido e a novidade, o dinâmico , o inesperado . Entre os dois, o risco. Pois o oposto da transformação, nesta esfera radical ( e no entanto, presente em cada pulsar de nossa existência !) , é a destruição do sistema. Se não preferirmos o estereotipado ou a loucura , nosso cotidiano é - saibamos disto ou não, mais ou menos apegados a um dos dois pontos extremos - um traçado constante e mutante, por entre os hábitos e a surpresa.
Nos momentos das pequenas tomadas de decisões desta pandemia, caberia buscar um equilíbrio disruptivo entre as normas generalizadas do auto-cuidado com os corpos (próprio e coletivo) e as iniciativas originais pessoais, que alimentam o senso de autonomia da mente. Na medida do possível, uma não contradizendo a outra, mas as reforçando mutuamente através de um contraste estimulante, que leva em conta os tropeços indispensáveis a esta ambígua estratégia.
É claro que isto deve ser feito de forma absolutamente individualizada, abarcando diferentes aspectos desta contradição de propósitos. Para um, pode representar assumir riscos inéditos no próprio trabalho, outrora corriqueiro, feito no ambiente menos repressivo de casa. Ou , afinal, tomar coragem para um posicionamento no âmbito doméstico há muito adiada. E sempre lembrando de se estar atento á diferença entre o 'intuito' mais profundo e sutil de cada uma destas atitudes: saber bem balancear o reconhecimento do quanto elas servem a uma 'acomodação adaptativa' ou a uma 'mudança visceral'; se a primeira persiste em 'ir aguentando' para voltar à 'normalidade' , a segunda investe em não desejar um retorno, mas um salto qualitativo em uma direção diferente. Talvez o critério decisivo a ser levado em conta seja o risco a ser corrido, mas este é um tema muito denso a ser desenvolvido aqui !
Tenhamos presente, contudo, a nossa responsabilidade de cultivar o impulso revolucionário no mais íntimo de nossas almas, envolvendo-nos, pois, com a real Política, construção coletiva de formas de propiciar o conviver dos seres, cada um deles único, no Mundo. Aproveitemos esta oportunidade de reflexão e prática transformadoras para ir além da homogeneização reinante, desta forma reforçando, pois, a verdadeira solidariedade.
Portanto, muito cuidado com as receitas - obrigatoriamente uniformizadas - do 'como enfrentar o virus' , mesmo as bem mais intencionadas e eruditas! Compartilhemos intuições e hipóteses, e , principalmente, detenhamo-nos na formulação mais precisa de alguns projetos suspeitos de utópicos, imprimindo-lhe consistência, para fazer face, de forma efetiva, à situação . Com os necessários intervalos da fruição estética, para realimentar a energia da alma na consecução deste esforço.
Para mim, a Natureza é parte constituinte de meu ser; é em seu seio que preciso exercitar o paradoxo.
Assim, saudosa de meu sítio, redescubro como a grama dos canteiros entre as pistas da Lagoa é fresca, cacareja e ronrona feliz sob meu tênis gasto ... enquanto aprecio mais de perto as árvores antigas das margens das calçadas e os arbustos adolescentes das frutíferas que nós mesmos plantamos alguns meses atrás.
Nem fotos tirei deste perambular pelo verde, para que não fique sequer registro na Grande Rede desta Substantiva secreta estratégia de Sobre-Vivência...
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