A transposição da maioria dos móveis e objetos de casa de minha mãe para o sitio foi acompanhada daquela de muitos guardados em minha própria casa, há decênios, semi escondidos em armários de guardados empoeirados. Dentre eles, alguns remetem a resquícios de meu há tantos anos findo casamento. Imagine-se a carga afetiva de harmonizar todos estes símbolos , respeitando e realçando as suas características estéticas.
Um destes ajustes mais sutis foi no conjunto de quadros que reuni por sobre o novo /antigo sofá da sala do sítio . Havia já lá dois muito simplesinhos, com cenas de natureza alpina, gravuras de papel enquadrado em tirinhas de madeira, que vieram com o sitio e que, não obstante sua fragilidade, tem-se mantido intactos nestes trinta anos. Estão nas extremidades superiores do arranjo, a floresta escura e a colina de grama repousando por sobre o céu azul...
Os dois quadrinhos das extremidades de baixo representando gnomos se divertindo e vêm da história ancestral da família polonesa de meu ex-marido. Foram desenhados por um tio avô excêntrico e há algo de vagamente sinistro no contraste dos rostos dos minúsculos velhos folgazões com as paragens sombrias e/ou estranhas em que eles se deslocam. Recordam-me as imensidões desconhecidas das estepes eslavas e de seus pinheiros selvagens, cultura mágica que tão pouco nos é vizinha ...
Já os dois quadrinhos do meio, no alto e embaixo, eu os havia trazido da Inglaterra, quase quarenta anos atrás e eles viviam escorregando para baixo de um sofá, mal equilibrados em uma mesinha lateral encostada à parede, escondidos por almofadas por ali extraviadas, em meu escritório do Rio . São também seres elementais: no de cima, fadas quase infinitesimais quais poeira, flutuam no Ar rarefeito refletido e confundido com as Águas de um lago; no de baixo, por sob/entre as raízes de uma velha arvore , outros elementais pertencentes à Terra agitam-se, ninfas ambíguas, anões de cabeças enormes e pernas fininhas carregando crianças (humanas ou também fantásticas ?) ,
Esta parede é um dos elementos mais antigos da casa do sitio, era a parede do paiol original que sustentava a estrutura da construção de então, quase uma meia- água , separando-a do solo do terreno desnivelado. Tanto que se uma parte da parede fica sempre úmida, infiltrada pelo barro macio de parte do solo adjacente, logo a seu lado outra parte da mesma parede é pura rocha.
Para conseguir compor as memórias acima, foi preciso uma potente furadeira e o jeitinho do Maicol para conseguir escavar um buraco para o prego no lugar certo.
Outro recôncavo de memórias comovente , foi a redisposição dos quadrinhos que haviam enfeitado meu quarto de criança e que mamãe sempre lamentava ' terem-se extraviado' no apartamento que agora habitava Na verdade, nós os encontramos, ao lhe desmanchar a casa, em uma estante alta no quarto de empregada, entre guardados mofados e restos de materiais de construção.
Ei-los à luz do dia e do Mundo das Lembranças, de novo !
Mas se toda esta revisão tem um lado de resgate e e encanto, também têm provocam diferentes tipos de saudades e nostalgias que cortam meu coração !!!
Deixemo-lo repousar por hoje ...